terça-feira, 12 de junho de 2007

para ler com pressa

Acordei sem ter dormido. Espantei no meio da manhã com a voz da empregada berrando palavras desconexas. ‘Ela desceu já, foi levar o remédio para a senhora’. De susto, achei tudo muito estranho e fui ver o que era. Minha amiga tinha descido as 9 da manhã para dar um remédio a uma senhora. O tom tão banal da empregada me fez achar que eu estava sonhando diante de tamanha falta de sentido. Era melhor voltar para a cama e achar que tinha sido tudo mesmo um sonho. Voltei e não sonhei. O despertador insiste em se vingar de mim todas as manhãs. Dessa vez não foi diferente. Eu não tinha mais minutos para negociar. Espremi os olhos e pulei da cama direto para o chuveiro. As palavras passavam por mim com tanta pressa que quando me dei conta tinha fechado a torneira e expressava um olhar ansioso. Passei sabonete? Era melhor tentar de novo. Relaxa, relaxa, está tudo certo. A hora voava e meu ritmo acompanhava na contramão. Água, café, torradas, roupa, bolsa, tudo aqui? Vamos. Lá fora, um inferno. Sol, gente, carros, ai! Como o ponto de ônibus fica longe.... Segui meus passos mecanizados, peguei o ônibus e cheguei, finalmente. Para mim já seria o suficiente. Posso voltar para a casa? Lá, o texto a ser lido em voz alta para todos. Eu? (Merda!) Blá blá blá, expressão positiva e fim. Cartão de ponto batido. Segunda etapa. Resoluções burocráticas. Nome, cpf, senha, loguin, meu, seu, cadê fulano, liga para cicrano. O sistema caiu. Tenta de novo. Nome, cpf, senha, loguin, meu, seu, cadê fulano, liga para cicrano. O sistema caiu. AAAAHHHHHHHH. Ela berrou mesmo, no meio da repartição, um berro de desespero que fez rir todo mundo. Eu gargalhei. Senti uma fraqueza, lembrei que não tinha almoçado. É hora da reunião do grupo, só falta você. Já venho, só vou pegar um cafezinho. Blá, blá, blá, ihhh, preciso ir embora! Tenho um atendimento para fazer na cinelândia. Saí correndo, nem paguei o cafezinho. O ônibus me esperava no ponto, pelo menos isso. Ando mais um pouco, como o ponto de ônibus fica longe.... Sinto minha calça escorrendo pelas minhas pernas. Emagreci! O dia inteiro sem comer nada. Comprei um biscoito para comer na espera de minha paciente. Não deu, ela já estava lá. Cheguei atrasada? Meu deus, a hora voa.. Vamos. Relaxa, relaxa, está tudo certo. Na saída, a chave ainda na fechadura o ascensorista esperava por mim. Gentileza. Agora posso finalmente comer meu biscoitinho chinfrim. Caminhando e comendo e seguindo a pressão. Ah! O banco!
Até que finalmente te encontro. Pensava em desabar tudo isso sobre você, mas antes precisava te olhar, te dar um beijo e perguntar como foi o seu dia. Muito trabalho, e o seu? Posso contar? Seus ouvidos eram todos meus. Eu queria esse momento para sempre. Mas tinha a aula, tinha ainda uma conta para pagar, tinha ainda uma inscrição para fazer na Internet, tinha ainda os emails a passar. Tinha ainda que comer! Dessa vez o ônibus não me esperava no ponto, que bom, posso abraçar você mais um pouquinho....
Conta paga, inscrição feita, emails passados. Almoço-lanche-janta-ceia em frente à televisão. Ah! Agora posso fumar um cigarrinho.

4 comentários:

Anônimo disse...

Clara,
Oi! Eu soube da existência desse blog literário através do Conrado. Então, deixarei elogios pela iniciativa. Parabéns!!! Eu gostei. Sobretudo, deste último. O texto mostra um padrão comportamental [?!?] inerente às novas demandas de uma sociedade pós-industrial. Viajei... :-)
Novamente, parabéns.
Grande abraço à você e ao maridão.

Anônimo disse...
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Anônimo disse...
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Anônimo disse...
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